Joaquim era sumamente rico. Junto à sua casa havia um pomar. Os judeus reuniam-se freqüentemente em casa dele, porque gozava de uma particular consideração entre seus compatriotas.
Haviam sido nomeados juízes, naquele ano, dois anciãos do povo, aos quais se aplicava bem a palavra do Senhor: A iniqüidade surgiu, em Babilônia, de anciãos juízes que passavam por dirigentes do povo.
Esses dois personagens freqüentavam a casa de Joaquim, aonde vinham consultá-los todos aqueles que tinham litígio.
Lá pelo meio-dia, quando toda essa gente tinha ido embora, Suzana vinha passear no jardim de seu marido.
Os dois anciãos viam-na portanto todos os dias durante seu passeio, tanto que se apaixonaram por ela e,
perdendo a justa noção das coisas, desviaram os olhos para não ver mais o céu e não ter mais presente no espírito a verdadeira regra de comportamento.
Uma vez disseram um ao outro: Vamos para casa; está na hora do almoço. Saíram cada um para seu lado.
Mas, havendo ambos retrocedido, encontraram-se novamente no mesmo lugar. Perguntando um ao outro qual o motivo de sua volta, confessaram-se sua concupiscência. Combinaram então um encontro onde a pudessem surpreender sozinha.
Enquanto calculavam qual seria o momento propício, eis que Suzana chegou como de costume, com duas empregadas, e tomou a resolução de banhar-se, pois fazia calor.
Trazei-me, disse ela às duas empregadas, óleo e ungüentos, e fechai as portas do jardim, para eu me banhar.
O que elas fizeram por sua ordem. As portas do jardim estando fechadas, saíram pela porta do fundo para ir buscar os objetos pedidos, ignorando que os anciãos lá se achavam escondidos.
As portas do jardim estão fechadas, disseram-lhe, ninguém nos vê. Ardemos de amor por ti. Aceita, e entrega-te a nós.
Se recusares, iremos denunciar-te: diremos que havia um jovem contigo, e que foi por isso que fizeste sair tuas servas.
Suzana exclamou tristemente: Que angústias me envolvem por todos os lados! Consentir? Eu seria condenada à morte! Recusar? Nem assim eu escaparia de vossas mãos!
Com essa balbúrdia, os criados precipitaram-se pela porta do fundo para ver o que havia acontecido.
Os anciãos se puseram a falar, e os criados enrubesceram, pois jamais nada de semelhante fora dito de Suzana.
No dia seguinte, os dois anciãos, cheios de criminosas intenções contra a vida de Suzana, vieram à reunião que se realizava em casa de Joaquim, marido dela.
Disseram, diante da assembléia: Mandem buscar Suzana, filha de Helcias, a mulher de Joaquim! Foram-na buscar,
Aqueles homens perversos exigiam que ela retirasse seu véu – pois estava velada -, a fim de poderem (pelo menos) fartar-se de sua beleza.
enquanto ela, debulhada em lágrimas, mas com o coração cheio de confiança no Senhor, olhava para o céu.
Os anciãos disseram então: Quando passeávamos pelo jardim, ela entrou com duas servas; depois fechou a porta e mandou embora suas acompanhantes.
Nós nos encontrávamos num recanto do jardim. Diante de tal desvergonhamento, corremos para eles e os surpreendemos em flagrante delito.
Ela, nós a apanhamos; mas quando a interrogamos para saber quem era o jovem, recusou-se a responder. Somos testemunhas do fato.
Então ela exclamou bem alto: Deus eterno, vós que penetrais os segredos, que conheceis os acontecimentos antes que aconteçam,
sabeis que isso é um falso testemunho que levantaram contra mim. Vou morrer, sem nada ter feito do que maldosamente inventaram de mim.
Como a levassem para a morte, o Senhor suscitou o espírito íntegro de um adolescente chamado Daniel,
Então, no meio de um círculo que se formava, disse: Israelitas, estais loucos! Eis que condenais uma israelita sem interrogatório, sem conhecer a verdade!
O povo apressou-se em voltar. Os anciãos disseram a Daniel: Vem sentar conosco e esclarece-nos, pois Deus te deu o privilégio da velhice!
Então Daniel chamou o primeiro e disse-lhe: Velho perverso! Eis que agora aparecem os pecados que cometeste outrora em julgamentos injustos,
condenando os inocentes e absolvendo os culpados; no entanto, é Deus quem diz: não farás morrer o inocente e o íntegro.
Vamos! Se realmente a viste, dize-nos debaixo de qual árvore os viste juntos. -Debaixo de um lentisco, respondeu.
Ótimo!, continuou Daniel, eis a mentira, que pagarás com tua cabeça. Eis aqui o anjo do Senhor que, segundo a sentença divina, vai dividir teu corpo pelo meio.
Afastaram o homem. Daniel mandou vir o outro e disse-lhe: Filho de Canaã! Tu não és judeu: foi a beleza que te seduziu, e a concupiscência que te perverteu.
Foi assim que sempre fizeste com as filhas de Israel, as quais, por medo, entravam em relação convosco. Mas eis uma filha de Judá que não consentiu no vosso crime.
Ótimo!, respondeu Daniel, tu também proferiste uma mentira que vai te custar a vida. Eis aqui o anjo do Senhor, que empunha a espada, prestes a serrar-te pelo meio para te fazer perecer.
Logo a assembléia se pôs a clamar ruidosamente e a bendizer a Deus por salvar aqueles que nele põem sua esperança.
Toda a multidão revoltou-se então contra os dois anciãos os quais, por suas próprias declarações, Daniel provou terem dado falso testemunho.
De acordo com a lei de Moisés, aplicaram o tratamento que tinham querido infligir ao seu próximo: foram mortos. Assim, naquele dia, foi poupada uma vida inocente.
Helcias e sua mulher louvaram a Deus por sua filha Suzana, com Joaquim, seu marido, e todos os seus parentes, pois nada de desonesto havia sido encontrado em seu proceder.